Ultimamente tenho recebido em meu consultório muitos pacientes com uma queixa em comum: Enxaqueca. Diante dessa demanda resolvi estudar um pouco mais e compartilhar com vocês!
As dores de cabeça são classificadas como primárias (incluem enxaqueca e dores de cabeça tipo tensional) e secundárias (decorrentes de algum tipo de doença).
As dores de cabeça trazem consequências para o bem estar e produtividade das pessoas. Os portadores de enxaqueca relatam mais alterações em relação à dor, desenvolvimento social e incapacidade do que portadores de hipertensão, osteoartrite e diabetes, por exemplo.
As pessoas acometidas por esse problema apresentam um risco elevado de desenvolver outras doenças. Ela está associada ao aumento do risco de doenças cardiovasculares, acidente vascular cerebral isquêmico, esclerose múltipla, depressão, transtorno bipolar, ansiedade, doenças auto-imunes, musculoesqueléticas, doenças da tireoide, distúrbios audio-vestibulares e epilepsia.
A enxaqueca é uma dor de cabeça recorrente, caracterizada por um conjunto de sintomas que incluem: crises de dor, fotofobia, fonofobia, náusea e vômitos. Evidências indicam que a enxaqueca é uma doença neurológica com origem no sistema nervoso central e de base genética. Sua maior incidência é em mulheres e entre as idades de 20 a 35 anos. Está frequentemente associada a uma história familiar da doença. A remissão é comum na gestação e na menopausa, embora a gravidez, assim como o uso de anticoncepcionais e reposição hormonal podem desencadear a primeira crise. A genética é um fator importante de predisposição para a patologia.
A primeira fase da enxaqueca, onde o pico pode ocorrer de 12 a 24h do começo da dor, caracteriza-se por uma disfunção hipotalâmica, com sintomas precoces que podem ser: fadiga, sonolência, euforia, compulsão alimentar, depressão, irritabilidade, alterações de humor, bocejos, tontura. Durante essa fase os pacientes percebem vagamente que a crise se aproxima.
A segunda fase pode se apresentar de duas formas:
– Sem aura: caracteriza-se por cefaléia unilateral ou generalizada, latejo, náusea, vômito e fotofobia. (enxaqueca comum)
– Com aura: precedida por um episódio de pertubação sensorial ou visual com duração de 5 a 20 minutos. As auras são fenômenos neurológicos caracterizados principalmente por alterações visuais, tais como pontos escuros, que aumentam e se espalham perifericamente, afetando o processo cognitivo cerebral. As alterações sensoriais da aura são geralmente caracterizados por parestesias do braço e da face. Pode envolver alterações da percepção do espaço e tempo.
A enxaqueca também é classificada de acordo com o período menstrual:
– Enxaqueca puramente menstrual: sem aura, ocorre no 1º e 2º dia de menstruação, pode ocorrer 2 dias antes e até o 3º dia por pelo menos 2 a 3 ciclos menstruais.
– Enxaqueca relacionada a menstruação: a mulher apresenta crises fora da menstruação, mas durante o período menstrual tem crises adicionais.
As teorias mais recentes sobre a etiologia da enxaqueca sugerem o envolvimento da liberação de neurotransmissores/citocinas inflamatórias em resposta a vários fatores de estresse, afetando o fluxo sanguíneo e causando dor. Pode estar relacionada também com um desequilíbrio entre a excitação e a inibição de vários níveis do sistema nervoso central. É uma doença neurovascular associada com disfunção dos nervos cerebrais e vasos sanguíneos. Envolve ativação de várias vias de processamento da dor dentro do sistema nervoso central, bem como vasodilatação das artérias cerebrais. Influências hormonais, ambientais, fatores de estresse psicológico, hipoglicemia, fadiga, alimentação são alguns desencadeantes desse limiar de dor. Ou seja, sua etiologia é multifatorial.
Pessoas portadoras de enxaqueca podem apresentar sensibilidade a um ou mais fatores. Esses fatores não são causadores diretos da enxaqueca, mas ativam o processo que causa a crise em indivíduos predispostos.
O estresse é o principal gatilho da enxaqueca, seguido de alterações na produção de hormônios femininos.
Estima-se que 20% da enxaquecas sejam causadas por sensibilidade a alimentos. Um alimento pode ser considerado desencadeante quando o início da enxaqueca ocorre nas 6h após a ingestão e quando a retirada do alimento leva a melhora.
Os alimentos que geralmente desencadeiam as cefaleias são: bebidas alcoólicas, leite e derivados (principalmente queijos maturados), chocolate, cafeína, frutas cítricas, conservas, alimentos fermentados, carnes curadas e processadas, sopas industrializadas, trigo, glutamato monossódico, aspartame. Para algumas pessoas as oleaginosas e a banana também são desencadeadores.
Embora ainda existam estudos controversos da relação entre alergias alimentares e enxaqueca, sabe-se que a IgG leva a resposta inflamatória quando em contato com o antígeno respectivo, o que poderia estar por trás da causa da enxaqueca para alguns indivíduos.
Alimentos que contenham aminas bioativas tais como a tiramina, feniltilanina, octopamina, histidina e triptominose podem causar crises. Elas podem funcionar como anfetaminas endógenas ou falsos neurotransmissores, exercendo efeitos específicos seus e não apenas interferem na ação dos neurotransmissores.
O chocolate é rico em tiramina, feniltilamina, teobromina e cafeína. É um dos principais alimentos relacionado com o desencadeamento das crises por modificar o fluxo sanguíneo cerebral e liberação de norepinefrina.
Outros alimentos ricos em tiramina: queijos maturados, cerveja, casca de banana, embutidos, molho de soja.
Há possibilidade de deficiência na enzima responsável pela metabolização da tiramina, além de aumentar a liberação de norepinefrina, outro agente desencadeador de enxaquecas devido ao seu efeito hipertensor.
A cafeína provoca constrição das artérias, o que pode causar a enxaqueca. Porém a retirada da substância também é fator para cefaléia, já que quando é retirada as artérias de dilatam, aumentando o fluxo sanguíneo cerebral.
O álcool é vasodilatador, porém o efeito desencadeante parece estar relacionado ao conteúdo de tiramina e histamina, encontradas no vinho tinto e na cerveja.
As principais fontes de nitratos na nossa alimentação são as carnes curadas e processadas. A redução dos nitratos por ação da saliva ou de bactérias intestinais gera a produção de nitritos. Os nitratos são adicionados à carne para inibir a ação das bactérias, entre elas o Clostridium botulinum, formar pigmentos responsáveis pela cor rosa ou vermelha e como estabilizantes. Além de provocarem enxaqueca, podem causar redução do oxigênio sanguíneo, reagem com as aminas formando nitrosaminas, substâncias com alto potencial cancerígeno. Portanto retire da sua alimentação todos as carnes processadas: salsicha, presunto, peito de peru, etc.
Níveis elevados de lipídeos plasmáticos e ácidos graxos livres, mais especificamente o ácido linoleico (ômega 6) e oléico (ômega 3) podem estar envolvidos com as enxaquecas vasculares. Em alguns estudos observou-se aumento dos níveis séricos desses ácidos graxos, que ocorre simultaneamente à liberação da serotonina das plaquetas e distensão anormal das artérias cranianas, especula-se que esses ácidos graxos atuem como fatores liberadores de serotonina, cujo efeito sobre as artérias é primeiramente vasodilatador. Uma dieta rica em gorduras é um dos fatores que pode influir diretamente sobre a enxaqueca.
O aspartame e a sucralose são usados como edulcorantes em muitos alimentos dietéticos e em produtos farmacêuticos. Cefaléia é o principal efeito adverso dessas substâncias.
ESTRATÉGIAS NUTRICIONAIS
As principais condutas nutricionais se referem à identificação de substâncias alimentares desencadeantes de crise e sua exclusão da dieta. A eliminação de determinados alimentos é capaz de prevenir as crises ou diminuir o número de sintomas. Evitar longos períodos em jejum e não pular refeições são fundamentais para manter os valores de glicemia estáveis, evitando assim as dores de cabeça, já que a hipoglicemia é um fator para tal. Dieta com baixos teores de gorduras parecem reduzir a frequência, duração e intensidade das crises.
Uma das condutas nutricionais mais efetivas para diminuir a enxaqueca ou diminuir as crises é realmente a exclusão de alimentos ricos em tiramina = alimentos curados, defumados, conservas, marinados, queijos maturados, outros laticínios como creme de leite, requeijão, levedura de cerveja, cerveja, vinho, chocolate, alimentos fermentados, feijão (em excesso), soja, para algumas pessoas: banana, framboesa, coco, berinjela.
Importante evitar o consumo de alimentos derivados de leite, devido ao alto teor de tiramina, a maioria dos pacientes com enxaqueca se beneficia com a exclusão de leite de vaca.
Alérgenos alimentares, assim como adoçantes, cafeína, alimentos ricos em nitratos, bebidas alcoólicas também devem ser evitados.
Além disso é de extrema importância um plano alimentar antioxidante e anti-inflamatório, a fim de reduzir o estresse oxidativo e a inflamação. Alimentos antioxidantes e anti-inflamatórios: alho, cebola, romã, frutas vermelhas, azeite de oliva, oleaginosas e sementes, abacate, gengibre, açafrão da terra, pimenta, chá verde. Claro, sempre levando em consideração a individualidade de cada um.
Fracionar as refeições para evitar hipoglicemia.
Acrescentar alimentos ricos em fibras, gorduras insaturadas e monoinsaturadas.
Desidratação também é gatilho para enxaqueca, portanto atenção a ingestão de água!!
Vale ressaltar que alguns pesticidas, agrotóxicos e metais pesados como o mercúrio e o chumbo também podem desencadear crise. Por isso uma dieta de destoxificação ou rica em alimentos capazes em auxiliar essa desintoxicação é interessante: brócolis, couve, couve de bruxelas, nabo, rabanete, alho, alcachofra, coentro, boldo, alecrim, açafrão. E sempre dar preferência para alimentos orgânicos.
Vitamina B2 – Riboflavina
A alteração do metabolismo energético mitocondrial parece ter papel importante na patogênese da enxaqueca e pacientes demonstram redução do potencial de fosforilação mitocondrial no período entre crises. Como precursora das coenzimas necessárias para o transporte de elétrons, a riboflavina pode atuar aumentando a eficiência energética mitocondrial. Melhorando e prevenindo a enxaqueca.
Coenzima Q10
A coenzima Q10 é um elemento essencial para a mitocôndria, participando da cadeia transportadora de elétrons, além de agir como antioxidante. Ela melhora a função mitocondrial, a qual está envolvida na fisiopatologia da enxaqueca. Além disso o componente inflamatório da enxaqueca pode produzir radicais livres, consumindo Q10. Sua suplementação pode ser benéfica.
Magnésio
Alguns estudos sugerem que a deficiência de magnésio pode representar um papel importante no desenvolvimento de enxaqueca, assim como a proporção de cálcio e magnésio.
As ações do magnésio no organismo incluem neutralização do vasoespasmo, inibição da agregação plaquetária, redução na formação de eicosanóides e estabilização das membranas celulares, todos envolvidos na patogênese da enxaqueca. A concentração de magnésio tem efeito sobre os receptores de serotonina, síntese e liberação de óxido nítrico, mediadores inflamatórios. A maioria dos pacientes portadores da doença apresentam níveis plasmáticos de magnésio reduzidos.
A suplementação de magnésio pode ser interessante para a enxaqueca. O magnésio pode ajudar a diminuir a inflamação neurogênica. Ele também está envolvido no controle de receptores de glutamato, que desempenha um importante papel na transmissão da dor no sistema nervoso, na excitabilidade glutamatérgica e na regulação do fluxo sanguíneo cerebral.
Triptofano
Muitas pesquisas sobre enxaqueca têm demonstrado alterações no sistema serotonérgico. Estudos mostram que os portadores de enxaqueca apresentam maior quantidade de metabólitos da serotonina na urina e níveis baixos de serotonina na fase lútea, sugerindo um maior catabolismo e/ou síntese reduzida de serotonina, principalmente no período menstrual. A suplementação de L-triptofano parece reduzir esse catabolismo.
Isoflavonas
Muitas mulheres apresentam crises associadas ao período menstrual, resultado das flutuações hormonais. A isoflavona encontrada na soja e também em outros grãos age como moduladora dos receptores seletivos naturais de estrógeno.
Ácidos graxos
O ômega 3 parece reduzir a frequência e gravidade das crises de enxaqueca. Os óleos de prímula (Oenothera biennis) e de amora preta (Ribes nigrum) e da borragem podem ser benéficas para o tratamento.
Fitoterápicos
Alguns fitoterápicos também tem sido estudados para profilaxia da enxaqueca. O Pitasites hybridus é uma planta cujo o extrato da raiz pode ter propriedades antienxaqueca. O Tanacetum parthenium e o Ginko biloba também podem contribuir, mas ambos são de prescrição médica. Para enxaquecas relacionadas a menstruação o Vitex agnus é muito interessante por possuir uma mistura de flavonóides, terpenóides, compostos fenólicos, com estrutura similar aos hormônios sexuais.
A atividade física também é benéfica para pessoas portadores de enxaqueca, principalmente os aeróbios. Ela pode prevenir as crises. Mas deve ser feita de forma moderada para que não seja um gatilho.
Uma consulta com nutricionista é fundamental para alinhamento de todas essas condutas nutricionais.
Fontes: Tratado de Alimentação, Nutrição e Dietoterapia, Silva, 2007; Nutrição Clínica Funcional – Neurologia, Mortiz, 2013.
0 thoughts on “ENXAQUECA – COMO A NUTRIÇÃO PODE AJUDAR”